Década dos erros
É fato
que estamos vivendo uma década do Cérebro repleta de descobertas e avanços, que
vem despertando a empolgação dos cientistas e até das próprias pessoas.
Mas como
nem tudo são flores, essas descobertas com relação ao Cérebro trazem à tona uma
problemática muito presente em nossa sociedade, o determinismo neurogenético. “Mas
o que seria isso?” Seria reduzir o ser humano à genes e ao cérebro. “Certo, mas
o que isso significa na prática?” Significa que se uma pessoa é gay, é porque
ela possui um cérebro gay, significa que pessoas são violentas porque tem um
cérebro violento e que as pessoas são negras porque possuem deficiências genéticas.
“MEU DEUS! QUE ABSURDO” E não para por aí.
Segundo
os deterministas, os problemas podem ser sociais ou biológicos, sendo que os
segundos definem os primeiros. Ou seja, os crimes que ocorrem na sociedade são
causados por fatores biológicos inerentes aos criminosos e não porque existe
uma construção social ou um contexto por trás disso. “NÃO, NÃO, MIL VEZES NÃO,
ISSO TÁ ERRADO”. Para eles e para o governo não...para pra pensar: o que seria
mais interessante para o governo, dizer que os sem tetos são assim porque eles
tem problemas no cérebro ou porque o Estado não possui políticas públicas
dignas de resolver tal problema? É óbvio que para o Estado dizer que tudo é
problema do Cérebro ou do Gene, ou seja que todos os problemas são de cunho
biológico, é mais vantajoso porque tira de suas costas toda a responsabilidade
social.
Quer dizer então que o Brasil é violento por
causa do genótipo ou do cérebro da população? “Será que os deterministas não
veem o óbvio?” Eles veem e até reconhecem o social como um fator importante,
entretanto é melhor para eles sustentar as desigualdades existentes para terem
a quem culpar. Outra coisa importante sobre eles: eles adoram números,
quantificar é com eles mesmos, amam estatísticas. Engraçado, né? Como eles
conseguem reduzir o ser humano (complexo e não reduzível) a meros, números,
tabelas e gráficos?
Será que o Extremista é assim por causa do Cérebro?
Sera que o alcoólico tem um Cérebro alcoólico? Será que o Cérebro de uma pessoa negra é negro também e menor que o dos Brancos? Será que o racismo também está no cérebro?
Não
estou criticando os avanços ou o estudo do Cérebro, mas estou assim como o autor
do texto, dizendo que olhar os problemas é determiná-los em função do cérebro
ou do gene está errado. Aí você me diz: “FLÁVIA, NO PRIMEIRO TEXTO DO BLOG VOCÊ
MOSTROU QUE O CÉREBRO DE MONGE ESTAVA SENDO ESTUDADO, SERIA ISSO ERRADO?” Não
de maneira nenhuma, ali o monge não foi diagnosticado, ele participou da
pesquisa por vontade própria e ainda ajudou a construí-la . E em nenhum momento eles
disseram “ele é assim por causa de seu cérebro, pela sua construção genética”
mas eles analisaram o contexto, o social e as práticas de Öser para tirarem
suas conclusões. Agora se pegamos o último texto do Blog vemos que agora os
rótulos estão baseados na neurogenética.
E o mais
interessante disso tudo é que o autor do texto sobre o qual escrevo estuda o
cérebro também, todavia em seu texto ele faz uma crítica ao reducionismo
pregado pelo determinismo, defendendo assim um diagnóstico baseado na relação
entre os fatores sociais, individuais e biológicos.
Nos
últimos textos temos visto o quanto é difícil levar em conta a VARIAÇÃO que
existe entre os seres humanos. Não adianta criar rótulos, padrões e
estatísticas, porque nenhum é capaz de demonstrar a realidade da natureza
humana 100% como ela é. O mais divertido aqui é pensar que a própria estatística
leva em conta os erros em suas contagens, erros esses sendo a variação,
enquanto que os métodos deterministas não conseguem admitir que o ser humano é variável
e não pode ser analisado como algo fechado. POR QUE NÃO DIZER: EU NÃO SEI!
Porque não contextualizar tais diagnósticos, por que não ser humanos e levar em
conta sua própria experiência como indivíduo variável em diversas
características e dizer não à padrões e determinações? Por que?
Referência: Rose S. A. (1997) perturbadora ascensão do determinismo neurogenético. Ciência Hoje, 21, 18-27.